segunda-feira, novembro 20, 2006

para L.

Há alturas na vida em que realmente me ponho a pensar se não haverá mesmo um sentido para tudo o que nos acontece. Se não se trata mesmo tudo de um plano arquitectado, muito bem arquitectado por sinal. O meu entendimento do mundo sempre foi desprovido de um ser sobrenatural ou religioso que nos guiasse ou orientasse o que se passa na nossa vida. Mas não consigo deixar de pensar que, se quisermos mesmo pensar no que nos vai acontecendo, encontramos por vezes acontecimentos que são muito mais do que meras coincidências.
Se nos últimos meses da minha vida não tenho conseguido encontrar um sentido para tudo o que me aconteceu, é porque isso demora tempo. Porque quando se tem uma estrutura montada é muito difícil deixá-la cair para voltar a poder reconstruí-la outra vez, de uma forma muito mais sólida e estável. É preciso passar por sofrimento e dor para conseguir ultrapassar. É preciso deixar para trás sentimentos negativos. É preciso deixá-los ir. É preciso aprender a deixá-los ir!
Se há um sentido na vida para tudo, também haverá uma espécie de missão para cada indivíduo. E a minha missão, tenho vindo cada vez mais a percebê-la, é contar histórias, verdadeiras ou não. É aquilo em que mais me irei realizar enquanto ser social. Sei disso há algum tempo. Noto-o cada vez mais a crescer dentro de mim. Quero contar as histórias de outras pessoas. Não só a minha. Quero ter tempo para o fazer. Preciso disso.

Toda esta introdução para contar que ontem, quando andava desnorteada e sem saber onde ir buscar forças para sobreviver a um domingo que eu considerava deprimente, encontrei alguém que me fez relativizar o meu sofrimento e a minha dor e, mesmo sem saber, me deu forças para enfrentar mais não sei quantas desavenças da vida.
A L. é uma colega de faculdade, da minha idade, que tem cancro de mama há cerca de 5 anos. O diagnóstico foi tardio, por incompetência dos médicos a que foi recorrendo e falhas em todos os exames por eles efectuados. Como pessoa com formação médica que é, e com alguns antecedentes familiares, ao notar o aparecimento de um nódulo num dos peitos, desconfiou logo do que se estava a passar. Mas foi preciso ir a 7 médicos diferentes e ter já metástases no fígado e nos ossos para o diagnóstico profissional ter sido feito. Entretanto a vida dela, já desde muito nova recheada de problemas, mudou radicalmente para pior. E cada vez pior. Para além de todos os problemas de saúde e das suas aventuras por entre os meandros dos hospitais e dos serviços de oncologia, toda a sua vida está também recheada de problemas pessoais dos mais graves que se possam imaginar. Mas muito graves mesmo!
Depois de ouvir a sua história, contada na primeira pessoa, ficamos a pensar que não é possível tanta desgraça acontecer a uma só pessoa. Mas a realidade é que é. E ela não mascara nada. Não usa eufemismos. Não embeleza nada. Conta tudo de uma forma crua e real. As palavras entram-nos pelos ouvidos e ficam lá retidas. Sabemos que vão lá ficar até ao resto das nossas vidas. Para sempre.
Apercebi-me de que aquilo a que ela se agarra para sobreviver são às coisas pequenas e mais insignificantes que existem. Para ela são as mais importantes no mundo. As que a fazem ter um pouco de sanidade mental e não querer acabar com a vida. São coisas que a nós, seres também mortais mas que vivemos com a ideia irracional de que vamos durar para sempre, nos passam ao lado na maior parte dos dias. Temos de abrir os olhos e olhar para casos com este para nos apercebermos da fragilidade do ser humano e do nosso objectivo máximo enquanto vivemos. O que queremos da vida? O que nos faz felizes? O que nos realiza? De repente tudo se pode alterar e aí já pode ser tarde para recomeçar! Por muitos muros que eu já tenha visto à minha frente, nunca vi nenhum como o dela. Ninguém de todas as outras pessoas que eu conheço o viu.
Hoje quis fazer-lhe aqui uma pequena homenagem. Sei que provavelmente ela nunca vai ler isto mas como ela gosta muito de arte vou deixar aqui ficar uma imagem bonita do Monet.
Para ti L.!






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